sábado, 16 de janeiro de 2010



SOLIDÃO
Autor: Carlos Henrique Rangel


 Um carro. A buzina do carro . Um pequeno susto do rapaz cabeludo regado a respingos de cerveja. Ele sorriu sem graça correndo os olhos pelas mesas vazias. As horas no braço diziam o tamanho do atraso, um tempo a mais para reflexões. Concessão à solidão voluntária de um eterno melancólico.


A definição, de sua autoria, prevalecia há uma década em cumplicidade freqüente com várias marcas de cerveja. A menos querida da época, uma rebeldia inconseqüente contra a coletividade. A solidão talvez fosse uma defesa contra si mesmo. Contra um certo animal suicida que o envolvia com pessoas extremamente populares, intorpecidas pôr uma alegria vulgar. Este era o caso no momento. A moça era linda, de um sorriso de criança, quase santo. Dizia asneiras com a facilidade respiratória, com a consciência de marxista ortodoxo. Seus beijos eram ardentes, recheados de abraços carinhosos.


Ele gostava.
Das asneiras nem tanto. Dos carinhos, só até o ponto do orgasmo, quando a solidão interior ressurgia recheada de saudades das adolescentes satisfações individuais.


Ele lhe dizia poesias que ela achava suas, batendo palmas lacrimejantes. Ele sorria ou quase isso. Tentavam conversar sobre o dia a dia . Os poeirís casos familiares, as intrigas pouco sérias dos locais de trabalho. Ele quase achava que era igual a ela. Uma ilusão passageira. No fundo prevalecia o “chato”, o eterno infeliz acompanhado da pior cerveja.


O garçom trouxe outra e encheu o copo. Ele bebeu um pouco enquanto observava a ocupação ruidosa da mesa ao lado. Gritavam bobagens naturais de garotos em fim de semana, um passado que não enriquecia seu curriculum. Seus trinta anos lhe pesavam como cinqüenta e as brincadeiras juvenis feriam seu tempo.
Ela chegou sorridente distribuindo cumprimentos aos garçons, atrapalhando- lhe o cabelo e se sentando ruidosamente. Ele fingiu um sorriso, deu-lhe um beijo profundo e se irritou com as arestas salgadas de euforia que lhe feriram o paladar.


- Demorei porque a Beth ... Sabe a Beth? Aquela ruiva? Pois é, a Beth me segurou um pouco numa loja. Mas aqui estou lindinha para você. – Disse ela eufórica.
- Tudo bem. Não foi tanto assim. - Resmungou ele enchendo o copo trazido pelo garçom.


- E ai, me conta como foi seu dia. - Pediu ela quase mecanicamente olhando distraidamente para os lados .


Ele contou tentando colorir um dia sem brilho de um bancário insatisfeito. Tirou do bolso um cigarro. Deu algumas tragadas e o jogou ao chão.


- Fiquei com saudades... Quase te liguei... - Disse ele mentindo.
- Porque não? Eu ia gostar. Gosto quando você liga. Sua voz me alegra, ajuda a levar o dia - disse ela acariciando-o.


O beijo foi bom. Ele mergulhou em torpor conhecido, sentindo, digerido e se anulou covarde adiando o inevitável... Amanhã talvez, quem sabe...


Um comentário:

  1. Solidão é um conto com várias pequenas estórias sobre diversas formas de solidão nesse nosso mundo moderno.

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